PARECER
Trata-se de Consulta subscrita por Marcos Aurélio Pereira Jatobá Filho, Juiz de Direito e Corregedor Permanente da Comarca de Campina Grande, com vistas ao esclarecimento de questões de interpretação legal quanto à lavratura e eficácia de escrituras públicas de inventário e partilha, quando da possibilidade dos herdeiros e tabelionato em solicitar às instituições bancárias, saldos de contas e de fundos de investimentos deixados pela pessoa falecida, inclusive para cálculo de tributos.
Informações prestadas pela Gerência de Fiscalização Extrajudicial (Id. 110282).
Autos conclusos.
É o relatório.
Passo a OPINAR.
A respeito dos requerimentos esposados no expediente inicial, a Gerência de Fiscalização Extrajudicial apresentou manifestação nos seguintes termos:
“Basicamente, as indagações gravitaram acerca da Lei n° 6.858/80 e do art. 318 do Código de Normas Extrajudicial desta Corregedoria, especialmente quanto à obrigatoriedade dos valores bancários estarem numericamente estampados na escritura ou se poderia o ato notarial servir para levantar valores junto a bancos e outras instituições financeiras, independentemente do valor e simples apresentação e, caso o valor legal estabelecido seja ultrapassado, poderia o tabelião se negar a fazer o ato.”
O ponto crucial da consulta reside em esclarecer como proceder na hipótese de solicitação prévia de saldo de conta corrente, de aplicações e de fundos de investimentos deixados pelo falecido, para fins de identificar o exato patrimônio da herança na escritura pública de inventário e partilha de bens, viabilizando o cálculo correto dos tributos incidentes.
O magistrado realça que o 7.º Tabelionato de Notas de Campina Grande-PB informou a ocorrência de resistência por parte de algumas instituições bancárias em fornecer os extratos e saldos visando à apuração correta dos bens deixados pelo “de cujus”. A informação precisa de valores afasta eventual sonegação parcial do Imposto de Transmissão “Causa Mortis”.
Indubitavelmente, o inventário extrajudicial facilitou e desburocratizou o procedimento da divisão amigável dos bens após o falecimento, assegurando aos herdeiros capazes, na ausência de testamento, a resolução célere e prática do processo desjudicializado.
Com a revogação do CPC/73, consequentemente da Lei 11.441/2007, a matéria passou a ser regida pelo art.733 do CPC/15, continuando em vigor ainda a Resolução n.35/2007 do CNJ, naquilo que não contrariar o novo diploma processual civil.
Restou mantida ainda a previsão do inventário judicial, nas hipóteses de existência de testamento ou interessado incapaz, conforme preceitua o art.610 do CPC/15.
Segundo o normativo do Conselho Nacional de Justiça, haverá a nomeação de inventariante para o trato de assuntos relacionados com os interesses do espólio:
Art 11. É obrigatória a nomeação de interessado, na escritura pública de inventário e partilha, para representar o espólio, com poderes de inventariante, no cumprimento de obrigações ativas ou passivas pendentes, sem necessidade de seguir a ordem prevista no art. 990 do Código de Processo Civil (atual 617 do CPC/2015).
Ocorre que é comum a necessidade de algumas diligências junto às repartições públicas ou privadas na fase de preparação que antecede a própria escritura pública de inventário e partilha, necessitando assim que o espólio seja representado desde logo para determinadas providências prévias, a exemplo de coleta de extratos, saldos, informações patrimoniais sobre o “de cujus” etc.
Em casos específicos, impreterivelmente a realização da aludida escritura só poderá ser materializada à vista de informações complementares antecedentes ao próprio ato notarial, sob pena de ficar de fora da escritura de inventário e partilha valores que deveriam ser computados para o cálculo do imposto, como é o caso de informações atualizadas de saldos bancários.
Tem-se adotado na prática notarial a lavratura de escritura de nomeação de inventariante. Trata-se de escritura sem conteúdo econômico e de valor fixo com o objetivo tão somente de legitimar um dos herdeiros ou o cônjuge sobrevivente a resolver eventuais questões prévias à escritura de inventário e partilha de bens. À vista desta escritura específica as instituições bancárias são obrigadas a fornecer os saldos e extratos deixados pelo extinto.
Por outro lado, nos termos da lei complementar 105/2001 considera-se quebra de sigilo a revelação de informação sigilosa sem o consentimento expresso dos interessados. No caso em análise, os interessados são os herdeiros e o inventariante. Qualquer uma dessas pessoas, conjunta ou isoladamente, estariam legitimados a buscar junto ao banco o saldo e extrato bancário de valores deixado pelo morto. A legitimação pertence a qualquer um dos herdeiros ou viúva (o) meeira (a).
O art 1º, caput, da Lei Complementar nº 105/2001, regulamenta que o sigilo financeiro é expresso ao determinar que as instituições bancárias conservem o sigilo em suas operações passivas e ativas, sendo sujeitas às penalidades legais.
No dispositivo legal supracitado, entretanto ( art. 1º, § 3º, inciso V), dispõe que não constitui violação do dever de sigilo “a revelação de informações sigilosas com o consentimento expresso dos interessados”:
§ 3o Não constitui violação do dever de sigilo:
I – a troca de informações entre instituições financeiras, para fins cadastrais, inclusive por intermédio de centrais de risco, observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil;
II – o fornecimento de informações constantes de cadastro de emitentes de cheques sem provisão de fundos e de devedores inadimplentes, a entidades de proteção ao crédito, observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil;
III – o fornecimento das informações de que trata o § 2o do art. 11 da Lei no 9.311, de 24 de outubro de 1996;
IV – a comunicação, às autoridades competentes, da prática de ilícitos penais ou administrativos, abrangendo o fornecimento de informações sobre operações que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa;
V – a revelação de informações sigilosas com o consentimento expresso dos interessados;
Dessa forma, aplicando o princípio de origem francesa, chamado Droit de Saisine, segundo o qual o domínio e posse dos bens do “de cujus” se transmitem aos herdeiros, imediatamente, na data do falecimento, incluindo-se a posse indireta, seria razoável concluir que os herdeiros e o cônjuge sobrevivente têm o direito e legitimidade de requerer consultas e extratos bancários junto às gerências das instituições financeiras, independentemente de alvará judicial, bastando para tanto provar a relação de parentalidade (art.5.º, XXXIII, CF/88).
Importa ressaltar que a legitimação do cônjuge sobrevivente decorre da possibilidade de existir direito de meação nos bens a serem partilhados e, a depender do regime de bens adotado, da possibilidade de enquadrar-se na condição de herdeiro (a).
Esse princípio foi consolidado em nosso ordenamento jurídico através do art. 1.784, do Código Civil Brasileiro, in verbis:
Art. 1784, CC: “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”.
Ora, não há motivo para burocratizar o procedimento que segue desjudicializado e com a anuência de todos os interessados. Se o filho do morto prova a sua condição de descendente, legítimo herdeiro, junto ao banco, parece não ser razoável negar-lhe o direito de receber extratos e saldos bancários deixados pelo seu falecido genitor.
Mais ainda quando se considera o referido cidadão proprietário de uma cota parte daqueles valores ali depositados, posto que a sucessão é aberta imediatamente com a morte, e a herança é transmitida de logo aos herdeiros.
O processo de inventário, sobretudo o extrajudicial, segue apenas para regulamentar a situação que já está consolidada segundo o nosso ordenamento jurídico brasileiro, pois os legítimos herdeiros, com a morte do ascendente, já são os reais proprietários do acervo patrimonial deixado pelo morto. Com total direito, portanto, de solicitarem e receber as informações e esclarecimentos prévios necessários para a feitura do inventário extrajudicial.
A desjudicialização dos instrumentos jurídicos tem desafogado o Judiciário e contribuído para resolver de maneira célere diversos procedimentos que antes se mostravam burocráticos e formais.
O estímulo à conciliação, mediação e a busca pela solução consensual de conflitos representa hodiernamente um dos princípios fundamentais do processo civil, segundo o CPC/15 (§3.º, art.3.º). Por isso, não parece adequada com o novo ordenamento jurídico a criação de entraves burocráticos em procedimento de inventariança quando, sendo todos capazes, não há conflito ou discórdia entre os herdeiros
Nesse contexto, poder-se-ia pensar na possibilidade, mediante ato normativo, de o tabelião de notas ter o poder/dever de requisitar essas informações bancárias, desde que esclareça a instituição financeira que o requerimento se funda em procedimento extrajudicial de inventário em tramitação na serventia, identificando os herdeiros e número de protocolo de abertura de inventário extrajudicial, cujo pedido formulado pelo notário acompanharia autorização expressa dos legitimados.
O tabelião agiria nessa hipótese como formalizador da vontade das partes, excepcionalmente autorizado por lei e pelos herdeiros para “realizar todas as gestões e diligências necessárias ou convenientes ao preparo dos atos notariais”, conforme preceitua o art.6.º, parágrafo único, da lei 8.935/94.
Com efeito, nessas situações não haveria quebra de sigilo bancário, diante da expressa vontade dos interessados/legitimados em receber as informações necessárias para a elaboração da escritura pública de inventário e partilha (art.311, Código de Normas Extrajudicial da CGJ-PB), inexistindo impedimento à prestação de informações a respeito de contas bancárias, aplicações extratos e saldos.
Não se trata aqui de levantamento de valores, mas de simples coleta de informações para constar corretamente o montante na escritura pública, evitando-se parcial sonegação de tributos.
Impõe lembrar que o sigilo bancário refere-se a terceiros e não aos próprios senhores e possuidores dos bens, direitos e ações deixados pelo falecido, o que revela inaplicabilidade das restrições previstas na Lei Complementar n° 105/2001 aos herdeiros.
Assim, diante dessas ponderações, considerando que o tema tem abrangência geral e repercussão em todo o Estado, OPINA-SE no sentido de:
1. Informar ao juiz consulente que, enquanto não houver normativo autorizando os herdeiros, sozinhos ou isoladamente, requererem informações bancárias sobre saldos de valores deixados pelo “de cujus”, caberá ao tabelionato de notas lavrar escritura prévia de nomeação de inventariante, sem conteúdo econômico, com as atribuições do art.618 do CPC/15, no que couber, sobretudo com a finalidade de solicitar o que for de direito junto aos órgãos públicos e privados, para a lavratura da escritura de inventariança e partilha;
2. Enviar cópia deste parecer, se homologado, aos representantes da ANOREG-PB e Colégio Notarial da Paraíba, para que avaliem a viabilidade de sugerir a esta Corregedoria proposta de regulamentação do tema ora abordado, no intuito de unificar a prática cartorária nos tabelionatos de notas no Estado da Paraíba, e até mesmo em todo território brasileiro por meio sugestões a serem remetidas à Corregedoria Nacional de Justiça;
3. Expedição de OFÍCIO CIRCULAR a todos os Cartórios de Notas do Estado da Paraíba, aos juízes corregedores permanentes e à FEBRABAN, com representação no Estado da Paraíba, para ciência do conteúdo exposto.
Comunicações de estilo, após, arquive-se.
Com essas considerações, submeto o presente parecer à apreciação do Exmo. Desembargador Corregedor Geral de Justiça. Comunicações necessárias em caso de homologação.